Tebas: de escravizado a icônico arquiteto negro no Brasil

Quadro "Cabeça de Negro", de Candido Portinari (1934), muitas vezes associada à imagem de Tebas (Foto: Divulgação).

A historiografia afrodescendente do Brasil é como uma colcha de retalhos: vai se encaixando e aperfeiçoando por partes de diversas fontes revisitadas, outras reveladas. Depois de passar mais de 200 anos invisibilizado ou tido como lenda urbana, o icônico arquiteto negro Tebas, apelido de Joaquim Pinto de Oliveira, ganha o reconhecimento necessário nas páginas da história. 

Pode ser que você tenha passado por alguns locais tocados por ele sem fazer ideia sobre o legado arquitetônico deixado. Foi Tebas, por exemplo, o responsável pelas fachadas da Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco e da Igreja da Ordem 3ª do Carmo, pela ornamentação da fachada do Mosteiro de São Bento, e edifícios marcantes do Centro Histórico de São Paulo, além do Cruzeiro de São Francisco (chamado de Cruzeiro de Pedra), em Itu, interior do estado. Sua carreira ficou centrada em igrejas e capelas, sob ordem das congregações cristãs. 

Nascido em Santos, Tebas teria sido posse do português Bento de Oliveira Lima, mestre de obras requisitado na Baixada, que o trouxe para São Paulo em busca de melhores oportunidades de trabalho num período de efervescência da construção civil. 

Segundo documentos da época, o lusitano foi encarregado de uma obra de reforma na antiga Catedral da Sé em meados de 1767, dois anos antes de sua morte. Tebas então assumiu o compromisso de finalizá-la, deixando sua marca em mais uma das principais construções paulistanas, que sofreu grandes alterações no percurso do tempo. 

A taipa de pilão era a técnica mais utilizada nas construções, até então. O arquiteto foi um dos responsáveis por uma renovação estilística no que vinha sendo feito, com a aplicação da pedra de cantaria, ofício ancestral de talhar pedras de maneira geométrica para aplicar em edificações. 

Além disso, ele participava dos projetos ainda no papel, investindo seu conhecimento empírico e técnico no que seria construído em meados do século 18, fiscalizando obras de pedra e alvenaria. Tais características o colocam como um expoente do barroco paulista, aprimorando as ornamentações eclesiásticas em termos não apenas estéticos, mas de durabilidade e acabamento.

Em 1792, foi responsável pelo primeiro chafariz público da capital, o Chafariz da Misericórdia, na rua Direita, que não por acaso era, na época, ponto de encontro da população negra da cidade, em especial escravizada, pois aquela era uma fonte de água. Infelizmente, a obra não existe mais em via pública. 

Apesar de haver dúvidas teóricas sobre sua condição de pessoa escravizada, visto que sempre teve um sobrenome e fora alfabetizado, algo incomum para quem servia como escravo. Alguns pesquisadores indicam que a alforria teria acontecido através de uma ação judicial movida contra a viúva de Bento, Antonia Maria Pinta, entre 1777 e 1778. Outro desdobramento dos fatos é o de que seu antigo proprietário teria deixado em testamento a alforria do "funcionário".

Há ainda os que defendem a teoria de que Tebas, com a autonomia de seu trabalho, teria comprado sua própria liberdade, se opondo à tradicional lógica escravagista de um homem negro, reconhecido por seu trabalho e conhecimento, dono de seu destino. 

Com uma vida longeva, Tebas faleceu aos 90 anos no dia 11 de janeiro de 1811, devido a uma gangrena na perna, após um acidente de trabalho, indicando que sua força laboral foi quase tão grande quanto sua vida. Muitos anos depois, em 1974, teve seu nome citado no samba de Geraldo Filme, “Tebas, o Escravo”, um dos grandes responsáveis por registrar parte de sua história e marcar seu nome na cultura popular brasileira. 

Enquanto estava vivo, Tebas atuava como mestre pedreiro e assim permaneceu em registros até 2018, quando foi enfim reconhecido e nomeado arquiteto pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo (Sasp), após a publicação de alguns trabalhos acadêmicos comprovando que sua importância era ainda maior do que a imaginada. 

As raras menções a Mestre Tebas, como ficou conhecido, que ajudam a reconstituir sua existência estiveram em trechos de jornais, listas de levantamento de dados, relatos e outros documentos, em um passado passível ao erro, deixando dúvidas no ar. 

Em relação à vida pessoal e familiar, ele teria se casado com Natária de Souza, mãe de sua filha, Natária Liberia, conforme consta no livro "Tebas - Um Arquiteto Negro na São Paulo Escravocrata", o registro que rastreia e dignifica sua presença no mundo, organizado e escrito por Abilio Ferreira, além de Carlos Gutierrez Cerqueira, Emma Young, Ramatis Jacino e Maurilio Ribeiro Chiaretti. 

Após anos de estudo, a certeza é que o arquiteto - assim como tantos outros negros descreditados - trabalhou na expansão e modernização da cidade. Foi não apenas braço, mas uma brilhante (se)mente que gerou frutos onde caminhamos hoje.

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Brunella Nunes

Brunella Nunes é jornalista, produtora de conteúdo, pesquisadora de tendências e futurista.

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