Burle Marx além da paisagem: um artista inspirado pelo moderno

Reconhecido mundialmente, Roberto Burle Marx foi um grande nome do paisagismo brasileiro, levando forma, encanto e tropicalismo para cerca de 2 mil projetos naturais envolventes em 20 países. Mas toda a sua genialidade aplicada à arquitetura não era apenas oriunda do ofício pelo qual ficou conhecido, mas sim das artes: Marx gostava de pintar. Foi um artista inspirado por personagens como Picasso, Matisse e Van Gogh.  

Filho de um alemão e de uma pernambucana descendente de franceses, o paisagista e ambientalista começou a atuação cedo, ajudando a mãe na horta e no jardim de casa. Quando foi morar no Rio de Janeiro, em 1917, passou a se dedicar ainda mais à prática doméstica, até se apaixonar pelo Jardim Botânico de Dahlen, em Berlim, onde encontrou plantas típicas brasileiras, mais precisamente da Amazônia. A visita europeia o projetou profissionalmente para expedições botânicas em busca de diversidade, pesquisa e experimentação. 

Em sintonia com a natureza ao longo de toda a sua existência, o curioso Burle Marx - que sim, tem ligação familiar com o alemão Karl Marx (primo de seu avô) -, se entregou às jornadas que o levaram a criar uma coleção botânica interessante em seu sítio, no bairro fluminense de Barra de Guaratiba, hoje um instituto aberto à visitação. Para além das preciosidades arquitetônicas e paisagísticas do local, era ali que aconteciam as obras contemporâneas em suas telas. 

Modernista e inovador, Marx era um artista no que se propunha a fazer. O próprio dizia que era, acima de tudo, um pintor. As coisas pareciam não apenas caminhar juntas, mas se complementavam, levando alguns críticos a o considerarem um artista que projetou jardins e não um paisagista que pintava. O contato com as linhas feitas em pincel o ajudava a também imaginar as paisagens cheias de forma e textura que projetaria depois. 

Comparado com Joan Miró e Jean Arp, Burle Marx começou com formas abstratas que, ao longo do tempo, ganharam contornos curvilíneos, tal qual o famoso e eterno mosaico criado para o calçadão de Copacabana. As fases artísticas incluíram influências cubistas, com cores mais sóbrias, linhas retas e formas geométricas. Não se prendeu a nenhuma escola, pintava desde cidades à natureza morta e até pessoas, com traços variados. Ele dizia odiar as fórmulas e amar os princípios. 

"Não tenho medo de errar. Erro a gente pode corrigir. Tenho medo é da fórmula. Se eu fosse tentar fazer uma coisa perfeita, nem tentaria começar. O importante é ter curiosidade".

Ao longo da vida, produziu desenhos, gravuras, esculturas, azulejos e tapeçaria, utilizando materiais diversos como tinta a óleo, acrílica e madeira. Multidisciplinar, ele também contribuiu com o design por meio de peças de joalheria, além de desenhar figurinos e cenários para peças de balé e óperas. A mente brilhante parecia ser mais inquieta do que suas mãos.

Sempre preocupado com a sofisticação estética, o artista não deixava nada passar despercebido. Ao promover eventos, almoços e jantares no sítio, ele mesmo esculpia os candelabros e pintava a toalha de mesa, tendo ainda uma preocupação extra com a apresentação dos pratos.

O gosto pela cozinha, e a curiosidade que sempre o acompanhava, também é narrado em sua história extraoficial. Entre as receitas favoritas preparadas pelo 'chef' está uma massa com palmito, chutney de coco e melancia, e frango com anis estrelado. Logo percebe-se a identidade de um inegável bon vivant! 

Todo esse lado de Burle Marx foi muito mais explorado e reconhecido fora do país, tanto que muitos brasileiros desconhecem seu legado para além do paisagismo. Suas obras vêm sendo revisitadas por pesquisadores e curadores de arte, com mostras sendo exibidas nos últimos anos em Nova York e Estocolmo. No Brasil, a última aconteceu no Centro Cultural Fiesp, em 2022.

Com uma personalidade marcante que respirava e transpirava arte, o refinamento da matéria que tocava, a forte atuação ambiental e um patrimônio cultural de impacto deixado de presente para a humanidade, podemos considerar que Burle Marx era, em sua essência, uma obra viva para todo o sempre.

Veja mais sobre Burle Marx:

[+] Para ver obras de Burle Marx em São Paulo, consulte a galeria Almeida & Dale, na Rua Caconde, 152. O acervo de peso conta ainda com Ai Weiwei, Alfredo Volpi, Leda Catunda, Adriana Varejão, John Graz e outros. Vale o passeio!

[+] Visite o acervo do Sítio Roberto Burle Marx on-line.

[+] Explore as receitas do artista no raro livro "À Mesa com Burle Marx", feito a partir de pesquisa e anotações de Cecília Modesto, sua estagiária na década de 1970. Se encontrar, saiba: é uma relíquia.

 
Brunella Nunes

Brunella Nunes é jornalista, produtora de conteúdo, pesquisadora de tendências e futurista.

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