Unilabor: mobiliário moderno nas bordas do Ipiranga

Geraldo de Barros e funcionários da Unilabor

Uma comunidade movida pelo desenho industrial e pela arte moderna ocupou por apenas uma década um edifício na Vila Brasílio Machado, região da Cursino, em São Paulo, mas ficou marcada para sempre na história do mobiliário brasileiro. Tendo o fotógrafo e designer Geraldo de Barros como principal fundador, ao lado de um padre, a Unilabor foi, antes de mais nada, uma experiência interessante que dificilmente acontecerá de novo no sistema regente no qual a sociedade se insere. 

Bem disse a arquiteta Vera Santana Luz em um artigo que a Unilabor era "um lugar para a utopia", pois extrapolou a dimensão do trabalho, funcionando de forma interdisciplinar, comunitária e artística, com um molde de autogestão participativa. Os trabalhadores tinham voz nas decisões e os resultados financeiros da produção iam para as famílias dos operários. 

Localizada em uma área periférica, à época, a pequena fábrica de móveis industriais fez e aconteceu entre 1950 e 1960, no auge do modernismo brasileiro. Mas foi um padre que deu origem ao modelo no qual se inseria: o frei dominicano João Batista Pereira dos Santos, que trouxe na bagagem da França a vivência no movimento Economia e Humanismo, uma abordagem pautada na ideia econômica voltada à justiça social, solidariedade e desenvolvimento humano integral. 

Unilabor e Capela do Cristo Operário, localizadas na Rua Vergueiro - Vila Brasilio Machado

Foi visando princípios sustentáveis no modo de vida que o frei iniciou os trabalhos de uma comunidade operária no Brasil, liderando a construção da Capela do Cristo Operário, em 1950, tendo como cereja do bolo a participação de grandes artistas na ornamentação. 

O altar foi pintado por Alfredo Volpi, enquanto Roberto Burle Marx ficou a cargo do paisagismo externo. Geraldo de Barros, Yolanda Mohalyi, Giuliana Segre Giorgi, Moussia Pinto Alves, Elizabeth Nobiling, Giandomenico de Marchis e Roberto Tatin foram outros nomes de peso no patrimônio.

A partir da capela e do envolvimento dos artesãos, artistas, intelectuais e personalidades políticas que o frei João convidou Geraldo de Barros a ajudar a implementar a Unilabor, a célula de trabalho dentro do conceito de Economia e Humanismo, calçada também no propósito de uma "arte nova" com funcionalidade prática e concretista, sem desprezar a excelência estética. 

"Se só guardamos lembranças dos momentos tristes ou alegres, enlouquecemos. Felizmente existem os restos". 

– Geraldo de Barros

Móveis em metal e madeira desenhados por Geraldo estavam no DNA da fábrica, composta também pelo marceneiro Manuel Lopes da Silva, o serralheiro Antonio Thereza e o engenheiro Justino Cardoso em sua concepção.  Funcionou de 1954 a 1967, com lojas próprias para venda de seus itens. 

Sala com móveis Unilabor

Os móveis tinham um sistema modular e componível, fazendo parte dos lares paulistanos das classes média e alta. Além de versáteis, eram funcionais, resistentes, duráveis e de boa qualidade, tendo destaque para o acabamento primoroso. A geometria empregada ao design racional facilitava a adequação a diversos tipos de ambientes e ao gosto do cliente.

Para além das atividades industriais, dentro da filosofia da desalienação do trabalho, a comunidade se envolvia no desenvolvimento de uma educação infantil complementar, atividades de lazer, teatro, debates, conferências, catequese e um jornal próprio. 

Há uma certa semelhança com projetos internacionais, como Bauhaus, na Alemanha, que foi encerrada com a ascensão do nazismo. No Brasil, a Unilabor começou a enfrentar problemas a partir da ditadura militar, em 1964, com a saída de Geraldo de Barros, membros se afastando da comunidade, interrupção de contribuições financeiras e, consequentemente, uma maior descapitalização da empresa, além do frei João estar com saúde mental debilitada, sendo internado em clínicas psiquiátricas.

Há ditados dizendo que todo louco tem um pouco de gênio. Entre a racionalidade e o sonho, a Unilabor foi não apenas uma fábrica, mas um projeto de vida que, mesmo após a morte, ressoa como exemplo e faz a imaginação viajar para um mesmo lugar: "e se a gente fizesse diferente?" 

[+] O conjunto da Unilabor foi tombado em 2001. A Capela do Cristo Operário abre apenas durante as missas, aos domingos, às 08h30. Fica na Rua Vergueiro, 7290 - Vila Brasilio Machado. 

[+] O frei João deixou suas memórias em clínicas psiquiátricas no livro "Recordações da Casa dos Loucos", publicado na década de 80, além de também ter deixado suas memórias na obra "UNILABOR: Uma Revolução na Estrutura da Empresa", um livro bem difícil de encontrar.

[+] Além do religioso, o pesquisador Mauro Claro publicou parte do legado da fábrica no livro "Unilabor: Desenho Industrial, Arte Moderna e Autogestão Operária", que pode ser consultado em algumas bibliotecas públicas de SP.

Brunella Nunes

Brunella Nunes é jornalista, produtora de conteúdo, pesquisadora de tendências e futurista.

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