A curiosa história da Casa Modernista da Vila Mariana

Um dos orgulhos arquitetônicos dos paulistanos fica escondido feito um tesouro entre as árvores de um grande terreno, na Vila Mariana. Erguida entre 1927 e 1928, a Casa Modernista é tida como a primeira construção do tipo no Brasil, mas era, principalmente, a moradia de um importante arquiteto vanguardista que até hoje influencia os projetos no país. 

Era 1923 quando o ucraniano Gregori Warchavchik (1896–1972) desembarcou no país para trabalhar na Companhia Construtora de Santos, onde ficou por três anos. Flertando com o modernismo em textos publicados em jornais internacionais e nacionais, o arquiteto pensou no projeto da Casa Modernista quando se casou com a paisagista Mina Klabin, herdeira industrial da elite paulistana, que ajudou a inserir o marido no círculo modernista e social da capital. 

Influenciada pelo cubismo e de aparência estética nada convencional para a época, ainda permeada por neoclássicos, a Casa Modernista da rua Santa Cruz dividiu opiniões por conta da falta de rigor técnico aplicado ao projeto e por burlar normas vigentes da época, como a falta de elementos ornamentais na fachada. Dinheiro não era um problema na família, mas ele alegou "falta de recursos" para driblar as regras engessadas. 

Projeto do imóvel ainda apresentando elementos estéticos que se encaixavam às normas vigentes da época. Os elementos foram propositalmente abandonados durante a construção.

Como proprietário do imóvel, Warchavchik o criou a seu desejo pessoal e não apenas profissional, daí a defesa para a licença criativa do arquiteto, que não seguiu cartilhas à risca e, por isso, teve como resultado algo tão original a ponto de incomodar. 

Um ponto complicado para a construção da casa era o acesso mais difícil às matérias-primas que fugiam do tradicional, fazendo com que, futuramente, o arquiteto montasse oficinas para fabricar janelas, portas e móveis modernistas. 

Fato curioso é que a residência da família causou estranheza na população, passando a ser conhecida como "caixa d'água" e recebendo visitas aos domingos de quem queria ver de perto a novidade. Não muito distante dali, na rua Berta, Warchavchik planejou a casa do artista e cunhado Lasar Segall - hoje também um museu - com características semelhantes. Na rua Berta, logo em frente à instituição, está um conjunto de casas modernistas "populares" assinadas pelo arquiteto. 

Casas da Rua Berta, na Vila Mariana, também projetadas por Warchavchik.

Morando no futuro

Independente das críticas contraditórias, as linhas retas da obra, que materializam os conceitos de praticidade, funcionalidade e racionalização, exprimem o que era o modernismo brasileiro em sua efervescência, culminando na Semana de Arte Moderna de 1922. 

Ocupando um terreno de 13 mil m², a Casa Modernista tem como principais elementos o uso generoso de concreto, ferro, vidro e efeitos de transparência, geometria simples, e a integração de espaços internos e externos. É rodeada por um bosque que também se diferenciava das demais pela escolha de Mina Klabin por espécies botânicas tipicamente brasileiras, ousando mais uma vez. 

"Construir uma casa, a mais cômoda e barata possível, eis o que deve preocupar o arquiteto construtor da nossa época de pequeno capitalismo, onde a questão de economia predomina sobre todas as mais. A beleza da fachada tem que resultar da funcionalidade do plano da disposição interior, como a forma da máquina é determinada pelo mecanismo que é a sua alma". 

– Gregori Warchavchik, em publicação do artigo “Acerca da Arquitetura Moderna”, no Correio da Manhã, em 1925


O pouco conhecido mobiliário da casa, que foi dividido entre familiares após a morte do arquiteto, era assinado por ele e outros modernistas. A decoração era de fazer inveja a qualquer mortal apaixonado por arte: quadros, esculturas e até almofadas carregavam a assinatura de nomes como Lasar Segall, Anita Malfatti, Victor Brecheret e John Graz. 

Foi reformada em 1935, a medida em que a família cresceu, passando por adaptações. Em meados de 1970, eles se mudaram e, após mobilização popular, a casa foi tombada em 1984, após correr o risco de ceder à especulação imobiliária em busca de terrenos. 

A partir de 2008 se transformou em espaço cultural e verde, quando passou a integrar os equipamentos da Prefeitura Municipal de São Paulo. Está aberta a visitação, com mostras temporárias ocupando seus espaços.

Impossível deixar de mencionar que, em 1930, o casal fez um evento para apresentar a Casa Modernista da Rua Itápolis, no Pacaembu, como um expoente da nova arquitetura, a moradia do futuro, sendo essa uma versão refinada do primeiro projeto.

Durante 21 dias, o público de 20 mil pessoas pode ver de perto os traços inovadores, junto ao mobiliário modernista - ou futurista, como gostava de pontuar o criador -, com peças assinadas por Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti. 

Em breve: Museu da Casa Brasileira

A Casa deve passar a receber em 2025 o acervo do Museu da Casa Brasileira, sem sede desde 2023. O novo lar do MCB passará por um projeto de restauração que deve levar cerca de 24 meses até ser inaugurado oficialmente, mas não há um prazo para a abertura. A reforma é estimada em R$ 25 milhões.

Na data que este texto foi escrito as obras ainda não haviam se iniciado, mas torcemos para que comecem em breve :)

Visite a Casa Modernista

Rua Santa Cruz, 325, Vila Mariana – São Paulo – SP

Horário: Terça a domingo | das 09h às 17h

Sem necessidade de agendamento para visitas espontâneas.

Agendamento de grupos: educativomuseudacidade@gmail.com

Brunella Nunes

Brunella Nunes é jornalista, produtora de conteúdo, pesquisadora de tendências e futurista.

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